Identidade e (dis) capacidade
Sendo as diferenças entre as pessoas um dado incontornável, a sociedade determina quais os desvios que vão consignar a diminuição ou a amplificação do valor pessoal, uma vez que está organizada segundo um sistema de representações que, supostamente, oferece ordem e sentido ao mundo perceptível. Tudo o que é percepcionado como anómalo, insólito, estranho, converte-se em fonte de perigo, por ser percebido como inquietante, fora de controlo. A defesa encontrada para enfrentar esta fonte de perigo é a marginalização, a negação do estranho ao grupo.
Assim sendo, o corpo da pessoa com (dis) capacidade, ou seja com capacidades diferentes, é visto como um corpo anormal, que foge ao controle, e tudo o que foge ao controle leva à discriminação, “produto do desconhecimento, do medo e do receio social” (Shum et al.; 2006:26) .
Acrescente-se que, se na nossa sociedade a imagem é de extrema importância para se ser aceite nos primeiros contactos sociais, as pessoas com alguma deficiência física vêm as suas possibilidades de relacionamento diminuídas num primeiro contacto.
Na realidade, a percepção que cada um tem acerca do seu corpo transcende as expectativas sobre o conseguir ou não concretizar relações sociais, dá-lhe também indícios, conscientes ou não, sobre as suas possibilidades de desenvolvimento pessoal, situação social, económica, em suma, sobre a sua auto-realização social. Como salienta Molano (2007) “existe uma relação entre o corpo e as expectativas de evolução pessoal. “
Podemos afirmar que o culto da imagem, considerado por muitos como uma forma de violência social em relação às mulheres, afecta sobremaneira a mulher com deficiência, porque reforça e justifica a sua descriminação e exclusão social, porquanto o corpo imperfeito torna-se não consentido pela sociedade, uma vez que não se integra na “norma”.
Para além do mito do controlo, a sociedade actual cultiva um outro, o da independência pessoal, dando ênfase aos direitos individuais e não tanto à responsabilidade ou à moral, esquecendo que a individualização significa, “a participação activa dos cidadãos naquilo que lhes diz respeito, a tomada de consciência das identidades pessoais nas decisões colectivas” ( Dubar, 2006 :189)
Tal como o mito do controlo, o mito da independência prejudica a aceitação social da pessoa com (dis) capacidade porque, como realçam Shum et al. (2006:26)
“as pessoas com (dis) capacidade mostram-nos a relatividade deste conceito e a dependência que temos das outras pessoas em certos momentos e circunstancias das nossas vidas”
A dificuldade em visionar um projecto de vida para a pessoa com deficiência parte do seio da própria família uma vez que esta também sofre a influência de preconceitos. Assim sendo, podemos supor que a construção da identidade da pessoa com deficiência começa por sofrer o impacto dos preconceitos sociais da família sobre a deficiência, que a impedem de transmitir uma imagem de competência e de pertença a esse membro, o que torna difícil a formação de “processos identitários”.